domingo, 30 de outubro de 2016

Privados podem gerir terrenos florestais sem dono conhecido

O Governo vai criar o Banco de Terras, que incorporará todo o património rústico do Estado e o património rústico sem dono conhecido que vier a ser identificado. O Estado pode assumir a gestão desse património, ou cedê-la a título provisório a Sociedades de Gestão Florestal (SGF) ou outras entidades. A medida foi hoje, 27 de Outubro, aprovada em Conselho de Ministros.
Este diploma garante que, podendo gerir ou ceder a gestão a título provisório, não pode ceder ou transaccionar de forma definitiva qualquer propriedade sem dono conhecido integrada no Banco de Terras ao longo de um período de 15 anos, sendo a sua posse restituída ao seu legítimo proprietário em qualquer momento, se entretanto for identificado.
“O objectivo desta medida é promover a exploração da floresta, facilitar o acesso à terra por entidades interessadas, bem como permitir o redimensionamento de explorações com vista a promover a gestão profissionalizada da floresta e a sua viabilidade económica”, pode ler-se no comunicado do Conselho de Ministros.
É igualmente criado o Fundo de Mobilização de Terras, constituído a partir das receitas provenientes da venda e arrendamento das propriedades do Banco de Terras. O Fundo destina-se à aquisição de novo património, que será incorporado, por sua vez, no Banco de Terras e disponibilizado para venda ou arrendamento a agricultores, preferencialmente jovens, e a outras entidades, designadamente SGF quando se tratar de património com vocação florestal.
“A reforma do sector florestal constitui uma prioridade da política do XXI Governo no quadro da valorização do território nacional. Sendo a floresta um activo de enorme relevância estratégica para o desenvolvimento económico e para a sustentabilidade ambiental, é necessário reavaliar e reformular as políticas públicas tendo em vista uma reforma do sector que proteja os seus recursos e promova os seus activos”, refere o comunicado.
“A execução destas políticas revela-se tanto mais urgente quando consideramos os enormes prejuízos causados pelos incêndios florestais, que este ano voltaram a assolar drasticamente o País, com graves consequências sociais, económicas e ambientais”, acrescenta o Executivo.
Num Conselho de Ministros dedicado em exclusivo à política florestal, o Governo aprovou hoje na generalidade um conjunto de medidas legislativas que serão submetidas a debate público alargado, de modo a envolver a administração central, as autarquias, a comunidade académica e a sociedade em geral. “Este conjunto de medidas procura responder aos grandes desafios da floresta portuguesa e está ancorado em três áreas de intervenção: titularidade da propriedade; gestão e ordenamento florestal; e defesa da floresta nas vertentes de prevenção e de combate aos incêndios”, diz o documento.
Informação Cadastral Simplificada
O Governo pretende ainda criar o Sistema de Informação Cadastral Simplificada, a propor à Assembleia da República. O sistema de cadastro apoiará os proprietários na identificação dos seus prédios, através de um balcão único que permitirá simplificar procedimentos, inovar as formas de relacionamento com os utentes, promover a transparência de informações e acolher a geo-referenciação de todos os prédios, contribuindo para o conhecimento da estrutura fundiária do território, imprescindível para a gestão, controlo e planeamento territorial.

Tendo em vista potenciar o valor económico da floresta num quadro de sustentabilidade ambiental e territorial, foram aprovadas várias medidas de gestão e ordenamento florestal, tais como a da criação do regime de reconhecimento das Sociedades de Gestão Florestal, com o objectivo de fomentar a gestão florestal profissional e sustentável, reforçar o aumento da produtividade e rentabilidade dos activos florestais e melhorar o ordenamento do território, acolhendo a evolução organizativa das Zonas de Intervenção Florestal.
Por outro lado, o Governo pretende simplificar as normas de funcionamento das Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), de forma a melhorar o funcionamento das ZIF já existentes, potenciando o seu alargamento e tornando possível que as mesmas possam promover a adesão de novos proprietários ou produtores florestais, através de um trabalho técnico de extensão florestal.
Mais poder para os municípios
Outra das medidas anunciadas hoje passa pela alteração do regime jurídico dos planos de ordenamento, de gestão e de intervenção de âmbito florestal, procurando atribuir aos municípios uma gradual e maior intervenção nos processos de decisão relativos ao uso do solo através da transferência efectiva das normas dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal para os Planos Directores Municipais.
O Conselho de Ministros aprova ainda o novo quadro de incentivos e isenções fiscais e emolumentares para o sector florestal, no âmbito das boas práticas silvícolas e da defesa da floresta contra incêndios, “promovendo a rendibilidade dos activos e tornando mais atractiva a silvicultura”.
in Agricultura e Mar 27/10/2016

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

“O turismo está a crescer em Portugal mas cresce no segmento mais barato”

Presidente executivo do grupo tailandês que comprou a cadeia de hotéis Tivoli, defende que "o problema é que quando temos os turistas mais baratos, não gastam dinheiro noutras coisas”.
Dilip Rajakarier acredita que turistas “baratos provocam mais danos que benefícios” DR 


O crescimento do turismo em Portugal é sustentável ou uma moda passageira?
Depende do compromisso do Governo em manter este crescimento sustentável. Porque hoje o país está focado em quatro ou cinco mercados chave: Reino Unido, Alemanha, França, Espanha e Brasil. É preciso olhar um pouco mais além porque estes mercados podem desaparecer. Se algo acontecer no Reino Unido ou em Espanha estão demasiado expostos. Sendo o turismo, hoje, uma actividade tão global, como é que então se promove Portugal na China, Índia, Médio Oriente, Ásia? Isto é essencial e o Governo tem, primeiro, de reconhecer [esta abrangência]. Depois, é preciso alocar os recursos, o marketing e as relações públicas para divulgar Portugal e dar incentivos a quem procura investir, algo que não aconteceu nos últimos anos porque muitos dos hotéis não são fantásticos, em comparação com outros fora do país.
É preciso elevar o standard?
É preciso elevar Portugal.
Porque é um destino demasiado barato?
É barato e é assim que tem sido percepcionado. É um dos destinos mais baratos da Europa. Não há mal nenhum em ser barato. O problema é que quando temos os visitantes mais baratos, não gastam dinheiro noutras coisas, em comida, bebida, spas, compras. Estes serviços são essenciais para o turismo e também para as receitas do Estado. Não se trata apenas de ter hotéis de luxo. Para atrairmos os turistas certos, dispostos a desembolsar 200 ou 300 euros, precisamos de ter hotéis e infra-estruturas. Os visitantes irão gastar mais e todos beneficiam. Penso que esta deve ser a prioridade.
Em termos de infra-estruturas, a maior necessidade é a das ligações aéreas?
Sim, a conectividade é importante. Veja o caso do Qatar, Abu Dhabi ou Dubai. Porque é que são tão famosos? Porque ficam à distância de uma única escala desde qualquer ponto do mundo. Mas se eu quiser organizar um evento em Vilamoura, onde estamos a fazer o centro de conferências, quem vier terá de fazer mais de uma paragem. Esse é o desafio que Portugal tem. O Governo tem de fazer algo para alargar a infra-estrutura e captar procura. Caso contrário irá sempre jogar o jogo dos preços baixos. Isso não é bom para o país. O custo de vida aumenta todos os anos, mas as tarifas dos quartos ou os salários dos trabalhadores não podem crescer ao mesmo ritmo. Como empresário, o que é que faço? Paro de investir nos hotéis, que se tornam menos atractivos.
No dia em que falamos há um protesto dos sindicatos da hotelaria que reclamam melhores salários, num contexto de recordes sucessivos de receitas. Os ordenados em Portugal são baixos?
Uma coisa é a aspiração dos trabalhadores, que acreditam que os seus salários devem evoluir mais rapidamente. Outra são os hoteleiros que se confrontam com o facto de os preços não evoluírem assim tão rapidamente. Tem de existir equilíbrio. Sim, o turismo está a crescer em Portugal mas, por vezes, cresce no segmento errado por vezes, no segmento mais barato. Se estamos a cobrar 30 ou 40 euros por quarto e eu investi, por exemplo, 200.000 euros, quanto tempo levarei a recuperar o investimento? Tem de ser uma parceria entre os trabalhadores e as empresas. Entendo as suas frustrações, mas ao mesmo tempo Portugal está a sair de uma crise e muitos perderam o emprego. Se não andarmos para a frente e não melhorarmos a economia entraremos de novo numa crise.
Há uma crescente apreensão dos moradores de Lisboa quanto ao aumento do turismo. Como é que se conjuga estes dois mundos?
Tudo se resume ao tipo certo de turistas. Se atrairmos visitantes dispostos a pagar 300 ou 400 euros por noite todos ficam contentes. O restaurante estará cheio, o autocarro estará cheio… Ninguém se vai queixar. Mas se atrairmos turistas “baratos”, que sujam a cidade… Na verdade, provocam mais danos do que benefícios. É preciso dar prioridade à qualidade em vez do volume. Não é só um problema de Portugal. Abrimos um hotel no Sri Lanka em Dezembro do ano passado e cobramos 800 dólares por noite. Chamaram-nos de loucos porque o preço por quarto no Sri Lanka é, no máximo, de 100 ou 200 dólares. Mas o nosso produto é fantástico, investimos 60 milhões de dólares e o que aconteceu? As villas, o produto mais caro e que custavam 1200 dólares a noite, foram as primeiras a vender.
Em Portugal qual seria a tarifa certa?
Mesmo que estabelecêssemos um standard nos 300 dólares é possível. É barato em comparação com outras capitais europeias. Em Londres as pessoas estão dispostas a pagar 600 libras por quarto e 50 libras por um jantar. Aqui gastam 120 euros - e em alguns dos nossos hotéis gastam 50 euros actualmente. Chamamos ao nosso hotel de Coimbra o “50/50”: 50 euros por noite, 50% de taxa de ocupação… É de loucos. É preciso elevar o standard e investir na experiência.
in Público 06.10.16

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Tribunal europeu volta a condenar Portugal por violar liberdade de expressão

Esta é pelo menos a terceira vez este ano que o Estado português é condenado por violar liberdade de expressão. Portugal vai ter que pagar cinco mil euros a professor universitário.
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) condenou esta terça-feira o Estado português a pagar, a um professor universitário, uma indemnização de 5000 euros por violação da liberdade de expressão. Esta é pelo menos a terceira vez este ano que o Estado português é condenado por violar o artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que protege a liberdade de expressão, o que até ao ano passado tinha acontecido 20 vezes.
Em causa neste caso está um artigo de opinião que o professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Carlos Castro Câmara – que também trabalhou no então Instituto Português de Meteorologia (IPM) - escreveu no semanário Independente em Março de 2006, intitulado “Mentiroso”. O texto, com uma parte dirigida ao então presidente do IPM, Adérito Serrão, termina dizendo que aquele responsável “não passa de um mentiroso reles e de um pobre diabo. E o ser presidente não é mais do que mero acidente. De baixíssima política.”
O artigo foi publicado uma semana depois de uma notícia sobre o afastamento de Carlos Castro Câmara do mesmo instituto, onde foi durante oito anos coordenador científico de um importante projecto co-financiado pela EUMETSAT, a agência europeia para a exploração de satélites meteorológicos. Nessa notícia, Carlos Castro Câmara diz temer "uma ruptura funcional" do projecto por falta de elementos dedicados exclusivamente ao programa e pela inexistência de um controlador financeiro do projecto. Nessa notícia, o presidente do IPM aparece a desvalorizar a opinião do universitário, referindo não lhe reconhecer competência para avaliar o desenrolar do programa. “Os seus comportamentos e o seu perfil ditaram o seu afastamento”, afirmava então Adérito Serrão.

Condenado em 2010 por difamação agravada

O então presidente do IPM não gostou da reacção de Castro Câmara no artigo de opinião e acusou o antigo coordenador científico, que chegou a ser seu vice-presidente durante quase um ano, de difamação. Em Julho de 2010, um tribunal de Lisboa condena o universitário a pagar uma multa de dois mil euros por difamação agravada e a pagar uma indemnização de três mil euros a Adérito Serrão. Em Fevereiro de 2011, a decisão é confirmada pela Relação de Lisboa, que considera que Castro Câmara foi “muito além dos limites abrangidos por uma crítica, entrando claramente na ofensa da honra”.
O TEDH analisou o caso de outra forma, considerando de interesse público a discussão sobre o financiamento de um projecto público. “Na visão do tribunal, uma pessoa que gere uma instituição financiada por dinheiros públicos deve estar preparada para aceitar críticas contundentes principalmente no decurso de um debate público onde se discutem questões ligadas à gestão de um projecto pago com esses fundos”.
Os juízes de Estrasburgo notam que neste caso estão em causa comportamentos e declarações relacionadas com a capacidade profissional do presidente do IPM e não com a sua vida privada. E insistem que os servidores públicos estão sujeitos dentro da sua esfera profissional a limites mais amplos de crítica aceitável que os outros cidadãos. O TEDH considera que o facto de o professor ter suportado as suas declarações num contexto factual retira os seus comentários da categoria de “ataque pessoal gratuito”. O tribunal lembra que pessoas que participam num debate público sobre um tema de interesse público estão autorizadas a recorrer “a um grau de exagero e até provocação, por outras palavras a fazer declarações imoderadas”.
Os juízes condenam por isso o Estado português a pagar a Castro Câmara os 5000 euros que este tinha sido obrigado a pagar na sequência de decisões dos tribunais nacionais e mais 2500 euros pelos custos que teve com o processo.
Contactado pelo PÚBLICO, o advogado do professor, Francisco Teixeira da Mota, considera esta decisão importante. “Embora reconheça a dureza das palavras utilizadas considera-as legítimas porque já antes tinha havido críticas graves ao autor das expressões”. E completa: “Para o tribunal europeu a discussão do funcionamento do aparelho de Estado deve obedecer a princípios de transparência e ser o mais irrestrita possível”.  
in Público 04.10.2016